A tradição
Diz que o livro foi escrito em cerca de 600 a.C. por um sábio que viveu na Dinastia Zhou chamado Lao Tzi ("Velho Mestre"), como um livro de provérbios relacionados com o Tao , e que acabou servindo como obra inspiradora para diversas religiões e filosofias, em especial o Taoísmo e o Budismo Chan (e sua versão japonesa o Zen). Lao Tsé, também escrito Laozi, Lao Tzu, Lao Tzé, Láucio, Lao Tzi, Lao Tseu ou Lao Tze foi um famoso filósofo e alquimista chinês.Sua imagem mais conhecida o representa sobre um búfalo, o processo de domesticação deste animal é associado ao caminho da iluminação nas tradições zen budistas.
Introdução
O Tao Te Ching é um texto profundo e ao mesmo tempo simples porque apresenta por meio da linguagem aquilo que se experimenta na sua ausência. A profundidade é o próprio caminho do mistério, a experiência do sagrado que corresponde à vivência espiritual. A simplicidade, um dos três tesouros dos ensinamentos de Lao Tse, conduz à naturalidade que orienta o indivíduo no macrocosmo. Portanto, a leitura do Tao Te Ching implica um desafio: esvaziar-se e ser natural como a água que flui no vale. O desvendamento do texto deve fluir gradualmente, levando à contemplação de suas palavras. Se estas não parecem suficientemente claras, isso se deve ao fato de a sociedade contemporânea, na qual prolifera o pensamento, dificultar a ampliação da consciência. Nesse contexto, a contemplação já é por si um ato transgressor.
Capitulos
I O TAO
O caminho que pode ser seguido não é o Caminho Perfeito.
O nome que pode ser dito não é o Nome eterno.
No princípio está o que não tem nome.
O que tem nome é a Mãe de todas as coisas.
Para que possamos observar seus segredos devemos permanecer sem desejos.
Mas se em nós mora o desejo, a única coisa que podemos contemplar é a sua forma externa. A casca que a essência oculta. Esses dois estados existem para sempre inseparáveis. Diferente unicamente em nome. Conjuntamente idênticos, unidos, integrados. São os chamados Mistérios!
Mistério além dos mistérios. O Portal que conduz a tudo aquilo que é sutil e maravilhoso ao recôndito segredo de todas as essências.
II O ENCONTRO DOS OPOSTOS
Todos no mundo reconhecem o belo como Belo e, desta forma, sabem o que é o Feio.
Todos no mundo reconhecem o bem como o Bem e, desta forma, sabem o que é o Mal.
Assim, o ser e o não-ser geram-se mutuamente.
O longo e o curto se delimitam; O alto e o baixo se inclinam
O tom e o som se harmonizam; O antes e o depois seguem-se um ao outro.
Assim o sábio executa suas tarefas sem agir e transmite ensinamentos sem usar palavras.
Todas as coisas agem, e ele não lhes nega auxílio. Produz sem apropriar-se de coisa alguma. Realiza sua tarefa e não pede gratidão e é justamente porque não se apega que o mérito jamais o abandona e suas obras meritórias subsistem.
III A TRANQÜILIDADE SUPREMA
Quando não glorificamos os homens de valor evitamos a rivalidade entre as pessoas.
Quando não valorizamos os artigos difíceis de obter, estamos impedindo que sejam roubados.
Eliminando o que possa provocar desejos, os homens permanecem sem perturbações mentais.
Portanto, ao governar, o sábio esvazia a mente do seu povo. À medida que lhe enche a barriga e lhes fortalece os ossos sua vontade enfraquece.
Mantém sempre o povo isento de conhecimento e livre do desejo. Para que o inteligente nunca ouse agir, pois quando nos abstemos da ação reina suprema a boa ordem universal.
IV A FONTE DE TUDO
O Caminho é vazio e inesgotável, profundo como um abismo.
É como se fosse o ancestral das dez mil criaturas.
Suavizai o corte, desfazei os nós, diminuí o brilho, deixai que as rodas percorram os velhos sulcos.
Devemos considerar nosso brilho a fim de que nos harmonizemos com a escuridão dos outros. Como é puro e tranqüilo o Caminho!
Não sei de quem possa ser filho pois parece ser anterior ao Soberano do Céu.
V O USO DO VAZIO
O céu e a terra não são humanos. Não têm qualquer piedade. Para eles, milhares de criaturas são como cães de palha que serão destruídos no sacrifício.
O sábio não tem predileções; é impiedoso ao tratar com as pessoas como cães de palha.
Não será o espaço entre o céu e a terra como um gigantesco fole? Esvazia-se sem exaurir-se. Inesgotável.
Quanto mais trabalha, mas alento produz.
Muitas palavras se esgotam sem cessar e conduzem inevitavelmente ao silêncio.
Aferrando-nos ao vazio protegemos o nosso ser interior e o mantemos livre.
VI FORÇA MISTERIOSA
O espírito das profundezas do vale é imperecível; é chamado o mistério feminino. A Porta da Fêmea Misteriosa é a Raiz da qual crescem o céu e a terra. Fracamente visível, seu poder inexaurível permanece. A Fêmea misteriosa dura perpetuamente; o seu uso, entretanto, jamais a esgotará.
VII PERFEIÇÃO SUPREMA
O céu e a terra são imperecíveis. Se são imperecíveis é porque não dão vida a si mesmos. E assim sendo têm longa duração.
Por isso, o sábio coloca-se em último lugar e chega na frente de todos. Quando esquece suas finalidades egoístas conquista a perfeição que nunca buscou.
VIII O PONTO DE EQUILÍBRIO
A virtude suprema é como a água.
A água e a virtude são benfazejas a milhares de criaturas. Ocupam os lugares mais baixos, que os homens detestam, acomodam-se onde ninguém quer permanecer.
Por esse motivo são comparáveis ao Caminho.
Numa casa, o que mais importa é a localização. Num aliado, a benevolência. Na palavra, a boa-fé. No governo, a ordem. Nos negócios, a habilidade. Na ação, o atemporal. Mas o sábio nunca luta por essa razão é inatacável.
IX O CAMINHO DO CÉU
É melhor não encher totalmente um vaso do que tentar carregá-lo se estiver cheio.
Quando afiamos demasiadamente uma faca, seu gume não se conservará.
Quando o ouro e o jade enchem um salão, seus donos não poderão manter a segurança.
Quando a riqueza e as honrarias conduzem à arrogância decerto o mal virá logo a seguir.
Quando fizermos o nosso trabalho e o nosso nome começar a celebrizar-se, a sabedoria consiste em recolhermo-nos à obscuridade, assim que a tarefa terminar.
Este é o caminho do Céu!
X QUALIDADE MISTERIOSA
Mantém a alma sensível e o corpo animal numa unidade para que não possam separar-se.
Controla a força vital, a fim de que te transformes novamente numa criança recém-nascida.
Quando afugentares as visões misteriosas de tua imaginação poderás, então, tornar-te sem mácula.
Purifica-te e não procures respostas intelectuais para o Mistério.
Amando o povo e governando o Estado, poderemos deixar de agir?
Quando se abrem e fecham os portões do Céu, conseguiremos desempenhas o papel feminino?
Quando o discernimento penetra as quatro regiões, talvez não conheças aquilo que dá vida e a sustém.
Aquilo que dá vida não reclama qualquer posse. Beneficia, mas não exige gratidão. Comanda, mas não exerce autoridade. Eis a chamada “qualidade misteriosa”.
XI A VIRTUDE DO VAZIO
Trinta raios unem-se no cubo formando uma roda. Mas é seu vazio central que permite a utilização do carro.
Modelai o barro para fazer um jarro. Recortai no espaço vazio das paredes portas e janelas a fim de que um quarto possa ser usado.
Dessa forma o ser produz o útil mas é o não-ser que o torna eficaz.
XII A REPRESSÃO DOS DESEJOS
As cinco cores cegam os olhos humanos. As cinco notas ensurdecem os ouvidos. Os cinco gostos injuriam o paladar. As corridas e as caçadas desencadeiam no coração paixões furiosas e selvagens.
Os bens de difícil obtenção causam ferimentos diante de perigosos obstáculos. Por esse motivo o sábio ocupa-se do interior e não da exterioridade dos sentidos.
Ele rejeita o superficial e prefere mergulhar no profundo.
XIII A RELATIVIDADE DO TAO
O sucesso e a desgraça são sempre acompanhados pelo medo. As honrarias e tribulações podem ser consideradas como condições pessoais da mesma espécie.
Por que afirmar que o sucesso e a desgraça são seguidos pelo medo?
A desgraça é estar numa posição inferior depois de sentir o gosto da vitória. Quando obtemos o sucesso, nos vêm o medo de perdê-lo e então tememos as maiores calamidades.
Este é o sentido da afirmação de que o sucesso e a desgraça são acompanhados pelo medo.
E o que significa a afirmação de que as honrarias e tribulações são condições pessoais da mesma espécie? O que me torna passível de grandes calamidades é possuir um corpo que considero meu. Se não possuísse tal corpo, que infelicidade poderia atingir-me? Eis a razão por que aquele para o qual o império é tão precioso como sua própria pessoa pode conquistá-lo.
E quem o ama tanto como a si mesmo pode ser digno de sua direção suprema.
XIV A MANIFESTAÇÃO DO MISTÉRIO
O que não pode ser visto chamamos invisível. O que não pode ser escutado, inaudível. Quando tocamos e não sentimos, dizemos que é impalpável.
Esses três objetos não podem ser sondados desta forma, confundem-se e são considerados como o uno.
A sua parte superior não é brilhante, a sua parte inferior não é obscura. Incessante é sua ação, mas mesmo assim não podemos dar-lhe nome. Sua origem está lá onde não existe qualquer ser. Sua forma é sem forma, sua figura sem figura. Ele é o indeterminado.
Indo ao seu encontro vemos a sua face. Seguindo-o não lhe vemos as costas.
Quando trilhamos o Caminho Perfeito de outrora podemos dirigir as coisas da época atual. Poder conhecer o começo do passado é segurar firmemente o fio do Tao.
XV A EXIBIÇÃO DA QUALIDADE
Os sábios perfeitos da Antigüidade eram misteriosos, sobrenaturais, penetrantes, profundos demais para serem compreendidos pelos homens.
Não podendo ser compreendidos, errônea será toda descrição. O que deles podemos dizer é apenas uma pálida aproximação da realidade.
Eram atentos como o homem que cruza o tormentoso rio em pleno degelo depois do inverno. Prudentes como aquele que é hóspede de alguém muito cerimonioso. Evanescentes como o gelo ao derreter. Despretensiosos como a madeira bruta que não recebeu qualquer forma das mãos humanas.
Livres como o vale! Turvos como a água enlameada.
Quem pode, pela serenidade, purificar, pouco a pouco, o que é impuro?
Quem pode tornar-se calmo e assim para sempre permanecer?
Aquele que segue o Caminho Perfeito não deseja estar cheio de coisa alguma.
E por não estar cheio (de si mesmo) pode parecer que está gasto, inútil e desprovido da perfeição temporal dos homens.
XVI RETORNO À RAIZ
Podemos obter o estado de vazio quando com fervor nos assentamos no repouso;
Todas as coisas entram em seus processos de atividade e depois voltam a absorver-se no repouso. No mundo vegetal, ao atingirem as formas a máxima plenitude, vemo-las, aos poucos, retornarem às suas origens. Esse retorno à raiz chama-se estado de tranqüilidade.
Essa tranqüilidade é uma prova, um sinal de que finalmente conseguiram atingir sua meta suprema.
O retorno ao próprio destino é uma constante; conhecer essa lei é mostrar-se inteligente., não conhecê-la leva a maus resultados.
O conhecimento dessa regra imutável nos torna magnânimos e aquele que é magnânimo é, na verdade, um rei. Assemelha-se ao céu pois seguiu o Caminho Perfeito e com o Tao se uniu. Assim permanece para sempre.
E quando o dia chegar, e seu corpo desaparecer, já nenhum perigo o espera.
XVII A INFLUÊNCIA INALTERADA
O povo não conhecia a existência dos grandes governantes antigos.
Depois vieram aqueles que o povo amava e honrava; a seguir, surgiu o medo e, por fim, o desprezo popular aos que se intitulavam governantes.
Quando a confiança é limitada, não há confiança alguma.
Como pareciam irresolutos os governantes de ontem, ao mostrar nas reticências a pouca importância das palavras!
As obras meritórias multiplicavam-se, os negócios prosperavam. E as famílias afirmavam em coro: “Graças a nós é que as coisas estão assim perfeitas!”
XVIII A DECADÊNCIA
Quando o Caminho Perfeito foi abandonado, a benevolência e a correção entraram em moda e a hipocrisia foi geral.
Quando não mais prevalece a harmonia, as seis relações surgem.
O amor aos pais e a piedade filial são as pseudovirtudes. Os Estados sofrem então com a corrupção e a desordem e começam a aparecer, em grande quantidade, os funcionários fiéis.
XIX VOLTA À SIMPLICIDADE
Se pudéssemos renunciar à nossa sabedoria, à virtude feita à nossa moda, isso seria de grande benefício para todos que nos cercam.
Se pudéssemos abolir nossa “benevolência” e “correção”, as pessoas poderiam voltar a ser amáveis e bondosas.
Se pudéssemos abandonar nossas artimanhas e abafar o desejo constante de enriquecer, não mais haveria ladrões nem malfeitores.
Devemos ser simples, desataviados, naturais, reduzindo os desejos juntamente com o egoísmo.
XX O HOMEM DIFERENTE
Exterminado o conhecimento, não haverá mais desgostos.
Entre o sim e o não, que grande diferença existe? Entre o bem e o mal, qual a distância? O que todos os homens temem deve se temido mas que imensas e infindas são as discussões que se seguem! A multidão de homens parece satisfeita, está cheia de ardor, exaltada como num festim semelhante ao que fazem os que escalam as montanhas na primavera.
Somente eu estou calmo, tranqüilo, meus desejos não deram qualquer indício da sua presença. Sou como um recém-nascido que ainda não sorriu.
Pareço abandonado, errante, sem finalidade! Os outros homens possuem o supérfluo, só eu sou por todos deserdado.
O homem da multidão julga-se iluminado, enquanto eu na penumbra estou mergulhado. O homem da multidão julga-se infalível, perspicaz, somente eu, dobrado sobre mim mesmo, sou móvel como o oceano, sempre a flutuar. A multidão torna-se útil, somente eu sou inapto, tal um pária abandonado.
Eu, sozinho, sou diferente de todos os homens porque venero profundamente a mãe que a todos alimenta (o Tao).
XXI O CORAÇÃO VAZIO
Em cada movimento, o homem sábio segue o Caminho Perfeito. Somente este caminho contém a Grande Virtude.
Qual a natureza do Tao? Deste Tao que com o Caminho Perfeito se confunde?
Nele encontramos uma imagem vaga e sombria, uma substância escura e indefinida. Dentro dela há uma essência, uma essência totalmente genuína e lá existe algo que poderá ser testado do presente à mais remota Antigüidade.
O seu nome nunca foi esquecido. Dele procedem as propriedades de tudo o que existe. Como sei eu que essa é a origem de tudo o que existe? Por aquilo!
XXII A CRESCENTE HUMILDADE
O incompleto será completado. O curso. endireitado; o vazio, preenchido; o gasto, renovado; o insuficiente, aumentado; o excessivo, dissipado.
É por essa razão que o sábio abraça a Unidade tomando-a por modelo do universo. Como nunca se põe em evidência, brilha; como nunca se vangloria, tem mérito; porque nunca luta, ninguém a ele se opõe.
A frase dos antigos dizia: Aquele que é incompleto será completado. Será uma frase vã? No fim tudo retorna à perfeita integrada.
XXIII O VAZIO ABSOLUTO
Falar pouco é ser natural. É a marca dos que obedecem a espontaneidade de sua natureza. Um violento furacão não pode durar para sempre, como poderá o homem consegui-lo?
Essa é a razão pela qual o homem segue o Caminho. Um homem no caminho adapta-se ao Caminho. Um homem na virtude adapta-se à Virtude. Um homem que perde alguma coisa conforma-se à Perda. Aquele que se conforma com o Caminho é alegremente aceito por ele. Aquele que é virtuoso é aceito pela virtude. Aquele que se conforma com a perda é aceito pela Perda.
Quando não existe bastante fé, há falta da verdadeira Fé.
XXIV POSIÇÕES INCÔMODAS
Quem fica na ponta do pé não tem firmeza; aquele que abre as pernas demais não anda facilmente.
Da mesma forma, o que se mostra não brilha. Quem defende seus pontos de vista com obstinação não é cortês.
O homem que se vangloria não tem seu mérito reconhecido. Quem é orgulhoso não possui a superioridade que pretende ter.
Tais condições, do ponto de vista do Tao, são como remanescentes de comida, de um tumor no corpo e de tudo que é excrescente.
Por essa razão, aqueles que seguem o Caminho Perfeito não as adotam, nem permitem que existam.
XXV AS FACES DO MISTÉRIO
Existe algo indefinido e completo, que nasceu antes do céu e da terra. Como é calmo e informe, solitário e imutável, e tudo atinge sem se exaurir!
Deve-se considerá-lo a Mãe de todas as coisas. Não sei o seu nome e, na falta dele, eu o chamo de Tao (O Caminho Perfeito).
Fazendo um esforço maior para lhe dar um nome, posso chamá-lo de Grande.
Grande ele passa, no seu constante fluir. Ao passar, torna-se distante. Portanto, o Tao é Grande. O céu é Grande, a terra é Grande e o sábio também é Grande.
No universo são quatro os Grandes. O sábio é um deles. O homem toma a sua lei da terra, a terra do céu, o céu toma sua lei do Tao. A lei do Tao é ser o que é.
XXVI O PESO DA GRAVIDADE
O denso está na raiz da leveza, a inércia, no movimento.
Eis por que o sábio príncipe, de madrugada à noite, não perde a serena gravidade. Apesar das glórias e honrarias, permanece desapegado e indiferente a elas.
Por que os senhores de milhares de carruagens dão mais importância a si mesmos do que ao império?
Se agem superficialmente perdem a raiz, se agem violentamente perdem seu trono.
XXVII O CAMINHO SEM RASTRO
O viajante hábil não deixa rastro de sua passagem. O orador perfeito nada diz em que se possa encontrar falha. O exímio calculador não precisa fazer contas. O perito guardião tudo fecha sem necessidade de barras ou parafusos, e o que ele fecha é impossível abrir.
Similarmente, o sábio está sempre salvando os homens e a ninguém tenta salvar. Esta capacidade se denomina “ocultar a luz na atividade”. Portanto, o sábio é um mestre para os não virtuosos, da mesma forma que o vulgar é o material que o sábio trabalha.
Não amar o Mestre que nos auxilia, não venerar a quem nos presta serviço, é sinal de extrema confusão. Isso se chama Mistério completo e profundo.
XXVIII A SIMPLICIDADE ORIGINAL
Quem conhece a força de sua masculinidade e, todavia, mantém sua flexibilidade feminina; quem conhece a força, mas guarda a doçura, assemelha-se a um vale do império. A virtude eterna jamais o abandona. Torna-se como uma criança.
Aquele que conhece a sua luz, mas guarda a sua obscuridade, é o modelo do império. Sendo o modelo do império, a virtude eterna não mais vacila, e ele se torna ilimitado.
Aquele que conhece a glória e permanece no opróbrio torna-se um vale do mundo. Sendo um vale do mundo, a virtude eterna nele brota, e ele atinge a simplicidade original. Foi essa simplicidade que formou todas as coisas. É como uma rocha inteiriça de onde surgem várias formas de vasos de pedra. O sábio nada faz sem simplicidade, ele dirige com nobreza e a ninguém prejudica. Esta é a regra do “retorno à simplicidade original”.
XXIX A AÇÃO SEM VIOLÊNCIA
Quem pretende conquistar o Reino para si e com esse objetivo agir constantemente, decerto não o conseguirá. O Reino é uma coisa espiritual, que não se pode obter pela constante ação. Aquele que assim fizer, estará destruindo-o; quem o segura, acabará perdendo-o. O curso da natureza das coisas é de tal forma que o que está agora de frente torna-se o reverso, o aquecido em pouco tempo esfriará. Alguns são fortes, outros são fracos, alguns destroem, outros são destruídos.
O sábio, portanto, evita os excessos, a extravagância e a arrogância.
XXX ADVERTÊNCIA CONTRA A GUERRA
Aquele que está perto do Soberano e em harmonia com o Tao não mostra sua força ao Reino pela quantidade de suas armas. A força logo terá a força contra si. Onde acampa uma tropa, o campo desaparece e, em pouco tempo, os espinhos nascem onde havia flores. E logo a seguir irromperão as guerras.
O virtuoso atinge sua meta sem utilizar a força. Conquista sem infringir sofrimento, sem destruir, sem orgulho, sem explorar o próprio sucesso, e depois pára. Vence sem violência.
Quando os homens usam a força bruta envelhecem, pois ela se opõe ao Tao, e tudo o que se opõe ao Tao perece prematuramente.
Essa é a “advertência contra a guerra”.
XXXI ACALMANDO A GUERRA
As mais belas armas são instrumentos de infelicidade. São odiosas a todas as criaturas. Aqueles que seguem o Tao não as empregam jamais.
O homem superior considera normalmente o seu lado esquerdo o lado de honra, mas em tempo de guerra é o direito.
Todas as armas são instrumentos do mal, não sendo em absoluto, instrumentos do sábio príncipe. Ele as usa somente quando premido pela necessidade. A calma e o repouso são o que ele valoriza; a vitória pela força das armas lhe é indesejável. Considerá-la necessária é sinal de que o homem em prazer com a matança de outros homens, e aquele que se compraz com tal matança não poderá dirigir um império. Nos momentos festivos o lado esquerdo é o mais importante, nos acontecimentos infaustos, o lado direito. O segundo general em comando fica à esquerda do príncipe, o general comandante à direita do monarca. O seu lugar é à direita, pois aquele que matou milhares de homens deve chorar por eles com maior dor. O general vencedor se encontra assim colocado por haver causado a morte e o sofrimento de tantos seres.
XXXII A SÁBIA VIRTUDE
O Tao é imutável e não tem nome. Embora originariamente seja algo diminuto, tornará invulnerável aquele que o possua. Se um príncipe feudal ou um rei o obtiverem, todos, espontaneamente, a eles se submeterão.
Tomando-o por guia, o céu e a terra unem-se e deixam escorrer um doce orvalho que atinge igualmente todas as coisas.
Tão logo começa a agir, tem um nome. E tendo um nome, em seu seio os homens podem encontrar a paz. Quando sabem como nele repousar, libertar-se-ão de todo o erro. A relação do Tao com o mundo é como a dos grandes rios e mares para onde correm todas as águas dos vales.
XXXIII A DISCRIMINAÇÃO
Aquele que conhece os homens é inteligente. Aquele que conhece a si mesmo é iluminado. Aquele que vence os homens é forte. Aquele que vence a si mesmo é realmente poderoso. Aquele que está satisfeito com o que tem é rico. Aquele que age com energia tem vontade firme. Aquele que não falha nos requisitos de sua posição continua. Aquele que morre e, todavia, não perece, atinge a imortalidade.
XXXIV A TAREFA DA CONQUISTA
O grande Tao está em tudo e a sua potência irradia-se em todas as direções.
Os dez mil seres dele dependem para nascer e viver. Quando o trabalho é realizado, ele não apregoa que foi seu autor. Cobre tudo com um manto e não faz valer sua posição de senhor. Poderá, entretanto, nas menores coisas ser encontrado. Todos os seres retornam a sua raiz e desaparecem sem saber quem preside seus destinos. Ele pode ser encontrado nas grandes coisas. Eis por que o sábio pode realizar grandes conquistas: é não se fazendo grande que consegue realizá-las.
XXXV O ATRIBUTO DA BENEVOLÊNCIA
Apegai-vos à Grande Idéia (do Tao), e o mundo avançará.
Avançará sem dores, na paz, na serenidade, na abundância.
A música e as iguarias farão o viajante parar por algum tempo. O que vem do Tao não agrada ao paladar, pois é insosso. Olhamo-lo, mas não o vemos. Ouvimos o seu chamado, mas não o entendemos. Mas se recorrermos a ele, o seu uso é inexaurível.
XXXVI SUAVIZANDO A LUZ
Quando inspiramos, decerto houve antes uma expiração. Quando quisermos enfraquecer alguém, devemos primeiro fortificá-lo. Se pretendermos derrotá-lo, devemos primeiro elevá-lo. Se tencionarmos despojá-lo, devemos primeiro dar-lhe presentes. Este é o chamado sutil discernimento.
Assim, os submissos e os fracos conquistarão os duros e fortes. Os peixes não devem deixar a profundidade das águas. Os instrumentos de poder de um Estado não devem ser a ninguém revelados.
XXXVII O EXERCÍCIO DO GOVERNO
O Tao nunca age e, entretanto, nada deixa por fazer. Se os príncipes e os reis a ele seguissem, as dez mil coisas se transformariam por si mesmas.
Se após a transformação, o desejo levantasse a cabeça bastaria abaixa-la sob pressão da Simplicidade e da Retidão.
A Simplicidade os impregnaria e, sem desejo, eles encontrariam a paz e o universo por si mesmo se retificaria.
Sem comentários:
Enviar um comentário