As 37 Práticas de todos os Bodhisattvas
De Gyalsé Thokmé Zangpo [1]
O Mestre vê todas as coisas que estão além do vai e vem,
E mesmo assim luta incansavelmente para o bem dos seres vivos –
Meu precioso guru inseparável do Senhor Avalokita,
Com respeito eu vos presto homenagem perpétua, com o meu corpo, palavra e mente.
Os perfeitos budas, que são a fonte de todo o beneficio e alegria,
Aparecem como seres através da realização do Dharma sagrado.
E isso depende de saber como praticar o Dharma,
Eu vou descrever as práticas de todos os herdeiros legítimos dos budas.
1. A prática de todos os Bodhisattvas é estudar, refletir e meditar.
Incansável, tanto de dia como de noite, sem nunca cair na ociosidade,
para libertar a si e aos outros deste oceano do samsara,
Tendo ganho este supremo vaso corporal - uma vida humana favorável e livre, que é tão difícil de encontrar.
2. A prática de todos os Bodhisattvas é deixar para trás a sua terra natal,
onde o apego à família e aos amigos nos subjuga como uma enxurrada,
enquanto a aversão aos nossos inimigos nos rói interiormente como um fogo escarlate,
e a escuridão ilusória nos eclipsa, ou seja, torna incompreensível a linha de conduta que devemos seguir e o que deixar para trás.
3. A prática de todos os Bodhisattvas é ir regularmente a lugares solitários,
evitando o que não é saudável, para que as emoções destrutivas gradualmente desapareçam e, na ausência de distrações, a prática virtuosa naturalmente se fortalece, avançando rapidamente. Com a consciência atenta e focalizada, adquirimos convicção nos ensinamentos.
4. A prática de todos os Bodhisattvas é renunciar a todas as preocupações da vida.
Durante muito tempo fizemos amizades e relacionamentos com familiares, e
agora todos nós temos que seguir caminhos separados;
Riquezas e bens tão penosamente adquiridos, devem ser deixados para trás;
E a consciência, a convidada que mora no nosso corpo, também um dia deve partir.
5. A prática de todos os Bodhisattvas é evitar amigos destrutivos,
na companhia dos quais os três venenos da mente ficam mais fortes.
E por causa deles cada vez estudamos, refletimos e meditamos menos,
e tanto o amor como a compaixão esmorecem, até se extinguirem.
6. A prática de todos os Bodhisattvas é estimar os amigos espirituais,
pensando neles como ainda mais preciosos que o próprio corpo.
Pois são eles que nos ajudam a nos livrar de todos os defeitos,
e que fazem com que as nossas virtudes cresçam ainda mais,
tal como a lua crescente.
7. A prática de todos os Bodhisattvas é tomar refugio nas Três Jóias,
pois elas nunca deixam sem resposta os protegidos que a elas apelam.
Os deuses comuns do mundo não podem ajudar ninguém
enquanto eles próprios estiverem na armadilha
do ciclo vicioso do samsara, não é assim?
8. A prática de todos os Bodhisattvas é nunca cometer um ato prejudicial,
mesmo que isso ponha a sua própria vida em risco,
pois o próprio Sábio ensinou que as ações negativas
quando chega a hora nos levam às múltiplas misérias dos mundos inferiores,
tão difíceis de suportar.
9. A prática de todos os Bodhisattvas é lutar para atingir o seu objetivo,
que é o estado supremo imutável, a libertação eterna,
pois a felicidade dos três reinos dura um só momento,
e logo vai embora, tal como gotas de orvalho em colinas de ervas.
10. A prática de todos os Bodhisattvas é desenvolver o bodhicitta,
assim como proporcionar a liberdade a todos os infinitos seres sensíveis.
Como seria possível encontrar a verdadeira felicidade enquanto
as nossas mães que cuidaram de nós através dos tempo, carregam uma dor?
11. A prática de todos os Bodhisattvas é fazer uma troca genuína
da felicidade pessoal e bem estar por todos os sofrimentos dos outros.
Toda a miséria vem da procura da felicidade pessoal só para si,
enquanto o estado de buda perfeito nasce do desejo do bem dos outros.
12. Mesmo se outros, sob a influência de um grande desejo, roubarem,
ou encorajarem os outros a roubar todas as riquezas que tenho,
dedicar-lhes totalmente o meu corpo, bens e todos os meus méritos
do passado, presente, e futuro – esta é a prática de todos os Bodhisattvas.
13. Mesmo que os outros queiram cortar a minha cabeça,
embora eu nada tenha feito de mal,
tomar sobre mim, com compaixão,
todos os males que eles acumularam – esta é a prática de todos os Bodhisattvas.
14. Mesmo que os outros declarem a toda gente
montes de coisas desagradáveis sobre mim,
retribuir-lhes, falando somente bem deles,
com uma mente cheia de amor – esta é a prática de todos os Bodhisattvas.
15. Mesmo que os outros exponham os meus erros escondidos
ou digam horrores sobre mim, quando discursam em grandes conferências,
pensar neles como amigos espirituais e inclinar-se
ante eles com respeito – esta é a prática de todos os Bodhisattvas.
16. Mesmo que os outros, de quem cuidamos como se fossem filhos,
se voltem contra mim e me tratem como inimigo,
olhá-los com dedicação e afeto, tal como uma mãe olha o seu filho mal-humorado – esta é a prática de todos os Bodhisattvas.
17. Mesmo se outros, iguais ou inferiores a mim em intelecto, nível espiritual ou riqueza
com arrogância, me desprezam, para os homenagear, tal como o faria ao meu mestre,
inclino a minha cabeça perante eles – esta é a prática de todos os Bodhisattvas.
18. Mesmo sendo desamparado e ignorado por todos,
fraco devido a uma terrível doença e importunado por espíritos malignos, ainda assim
tomar sobre mim todas as doenças de todos os seres e ações nefastas, sem nunca perder a bondade do meu coração – esta é a prática de todos os Bodhisattvas.
19. Mesmo sendo famoso e reverenciado por todos,
e tão rico como Vaishravana, o deus da riqueza.
Ciente da futilidade de toda a glória e riquezas deste mundo,
não ser vaidoso – esta é a prática de todos os Bodhisattvas.
20. A prática de todos os Bodhisattvas é controlar a mente,
com as forças do amor generoso e da compaixão.
Pois, a não ser que o adversário real – a minha própria ira – seja derrotada,
Os inimigos exteriores, mesmo que os conquiste, voltarão a aparecer.
21. A prática de todos os Bodhisattvas é afastar-se imediatamente
das coisas que levam ao desejo e ao apego.
Pois os prazeres dos sentidos são tal e qual a água salgada:
Quanto mais os provamos, mais a nossa sede aumenta.
22. A prática de todos os Bodhisattvas é nunca alimentar conceitos,
que envolvam as noções dualistas de perceber e ser percebido,
sabendo que todas estas aparências são a própria mente,
cuja natureza intrínseca está para sempre
além das limitações das idéias.
23. A prática de todos os Bodhisattvas é não se agarrar a nada
E quando vê coisas que considera agradáveis ou desagradáveis,
Deve considerá-las como um arco-íris no céu de verão –
bonito na aparência, mas na verdade desprovido de qualquer substância.
24. A prática de todos os Bodhisattvas é reconhecer a ilusão,
sejam eles confrontados com a adversidade ou infortúnio.
E como esses sofrimentos são como a morte de uma criança num sonho,
é tão cansativo agarrar-se às percepções ilusórias tendo-as como reais.
25. A prática de todos os Bodhisattvas é ser generoso,
sem esperanças de recompensas cármicas ou expectativas de prêmios.
Pois se aqueles que buscam a iluminação até dão os seus próprios corpos,
será necessário mencionar simples objetos e bens exteriores?
26. A prática de todos os Bodhisattvas é respeitar uma ética restritiva,
sem a mínima intenção de continuar na existência samsárica.
Sem disciplina ninguém jamais terá certeza do próprio bem estar,
E assim qualquer pensamento de beneficiar os outros será absurdo.
27. A prática de todos os Bodhisattvas é cultivar a paciência,
livre de qualquer traço de animosidade contra alguém.
Qualquer fonte de mal é como um tesouro principesco
para o bodhisattva que deseja ardentemente usufruir da riqueza da virtude.
28. A prática de todos os Bodhisattvas é lutar com diligente entusiasmo –
a fonte de todas as qualidades – quando trabalham para o bem de todos os que vivem;
vendo que mesmo os shravakas e pratyekaBuddhas, que só se esforçam para eles próprios – dedicam a ele todos os seus esforços, como se urgentemente tentassem extinguir fogos por cima das suas cabeças.
29. A prática de todos os Bodhisattvas é cultivar a concentração,
que transcende superiormente as quatro absorções sem forma,
sabendo que as aflições mentais são ultrapassadas inteiramente
ao alcançar com esforço uma intuição interior, acompanhada por uma calma estável.
30. A prática de todos os Bodhisattvas é cultivar a sabedoria,
para além das três esferas conceituais, aliadas aos meios hábeis.
Não é possível atingir o nível perfeito do despertar só através
das outras cinco paramitas, sem a sabedoria.
31. A prática de todos os Bodhisattvas é examinar-se
continuamente e livrar-se dos defeitos, tão logo apareçam.
Pois a não ser que façamos a checagem cuidadosa da nossa própria confusão,
alguém que parece mostrar que pratica o Dharma na verdade opera contra ele.
32. A prática de todos os Bodhisattvas é nunca falar desfavoravelmente
dos que caminham no grande veículo,
pois se, sobre a influência das emoções destrutivas,
eu falar das quedas dos outros Bodhisattvas, o erro será meu.
33. A prática de todos os Bodhisattvas é abandonar o apego
aos patronos, à família e amigos,
pois o estudo, a reflexão e a meditação diminuem
quando discussões e competições por honras e recompensas aparecem.
34. A prática de todos os Bodhisattvas é evitar palavras duras,
que possam ser consideradas desagradáveis e detestáveis pelos outros,
porque a linguagem ordinária perturba a mente dos seres,
e arruina a conduta do bodhisattva.
35. A prática de todos os Bodhisattvas é eliminar o apego
e todas as outras aflições mentais, tão logo apareçam,
tomando como armas os remédios apoiados na atenção plena e na vigilância
pois uma vez que as kleshas se tornam familiares, são difíceis de evitar.
36. Resumindo, para qualquer coisa que façamos,
examinemos sempre a consciência da nossa mente,
sempre em estado de alerta e com atenção plena,
fazer o bem aos outros – esta é a prática de todos os Bodhisattvas.
37. A prática de todos os Bodhisattvas é dedicar-se a atingir o despertar.
Toda a virtude ganha ao esforçar-se nesse caminho,
com a sabedoria que purifica as três esferas conceptuais,
pode assim fazer desaparecer o sofrimento dos seres infinitos.
Aqui expus para aqueles que querem seguir o caminho do bodhisattva,
As 37 práticas que devem ser adotadas pelos herdeiros legitimos dos budas,
baseado nos ensinamentos dos sutras, tantras, e tratados,
E seguindo as instruções dos grandes mestres do passado.
Como a minha inteligência é pouca e pouco estudos fiz,
Este não é um texto que vá satisfazer os entendidos
Mas como confiei nos sutras e no que os santos ensinaram,
eu sinto que verdadeiramente estes são os treinos autênticos
dos herdeiros legítimos dos budas.
Mas as ondas enormes da atividade dos Bodhisattvas
São difíceis de apreender para a mente de uma pessoa simples como eu
E assim imploro a compreensão de todos os santos perfeitos
Por qualquer contradição, irrelevâncias ou outras falhas nele contidas.
Através do mérito que ganhei, possam todos os seres
gerar o sublime bodhichitta, tanto relativo como absoluto,
E através disso, tornarem-se iguais ao Senhor Avalokiteshvara,
Transcendendo os extremos da existência e da imobilidade.
Este texto foi composto numa caverna perto de Ngulchu Rinchen pelo monge Ngulchu Thogmé Zangpo (1295 - 1369) (1) Mestre celebre da tradição Kadampa, discípulo do grande Buton Rimpoché. Estudou no Mosteiro do Sakya. Transbordava amor e compaixão para todos os seres. Era humilde e paciente e quando dava ensinamentos sobre o Bodhicitta, o sofrimento dos seres estava tão presente em si que as lágrimas lhe rolavam pelos olhos. Acompanhava-o sempre um lobo, que o seguia como um cão fiel e que era vegetariano.
Dedicatória
"Tal como os Budas e os Bodhisattvas seguiram o estilo de vida dos Bodhisattvas, beneficiando todos os seres sensíveis, possamos nós também seguir os seus passos".
Jikmé Khyentse Rimpoche
"Tal como os Budas e Bodhisattvas conseguiram desenvolver um bom coração em relação a todos os seres, possamos nós também ter a capacidade de o desenvolver".
Tulku Pema Wangyal Rimpoche
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